A voz deles. Política e preconceito

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Barbara Kruger

Jeroen Dijsselbloem. Janusz Korwin-Mikke. Não são os nomes que são impronunciáveis, mas sim aquilo que pensam e aquilo que exprimem sem pudor: o preconceito. Fora do contexto das diatribes de Donald Trump que teimamos em descartar como uma aberração exclusivamente norte-americana, eis que na Europa, reduto auto-centrado dos direitos humanos, em plena União Europeia, aliás, a voz continua a ser deles, dos que acham que as mulheres “devem ganhar menos do que os homens, porque são mais fracas, são mais pequenas, são menos inteligentes. Elas devem ganhar menos” (como declarou o eurodeputado polaco) e dos que acusam os países do sul da Europa de gastarem o dinheiro em copos e em mulheres e depois pedirem ajuda, como disse o ainda ministro das finanças holandês em entrevista ao jornal alemão Frankfurter Allgemeine Zeitung. E não há mal nenhum nisso, certo? Afinal, Dijsselbloem não se demite e não pede desculpa (foi mesmo no decurso de uma tentativa desesperada de se agarrar ao lugar de presidente do Eurogrupo, cujo partido foi amplamente derrotado nas eleições nacionais, que proferiu a tão relevante e sustentada opinião). Não pede desculpa porque foi apenas directo. Há sempre que relativizar. Mas relativizar reitera o preconceito que está na linguagem, na tolerância de tantas frases feitas – quem não se lembrou da expressão equivalente da afirmação de Dijsselbloem em português, que nunca leva a nenhuma indignação? – que passam despercebidas em tantas conversas entre ‘amigos’. Estamos sempre no lugar (do) comum, mesmo quando são os progressistas europeus a falar. As vozes da indignação, porém, também se levantaram, contra a metáfora sexista, xenófoba, claríssima na expressão do preconceito que por aí grassa. Porque há sempre um outro, e de vez em quando o outro somos nós…

 

MO

O Poder das Narrativas. As Narrativas do Poder

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Organizado por Ana Gabriela Macedo, Elena Brugioni e Joana Passos, Prémios Literários. O Poder das Narrativas. As Narrativas do Poder foi publicado pela Afrontamento na sequência da conferência homónima que teve lugar no CEHUM a 2 e 3 de Julho de 2015. Este e o principal resultado de um projecto de investigação financiado pela Fundação Calouste Gulbenkian.

 

O outro lado de Ana Vidigal

 

Numa biblioteca, o que convoca uma obra de arte? Na exposição AVEƧƧO, de Ana Vidigal que se pode ver na Biblioteca da FCT/Universidade Nova de lisboa (patente até 20 de Julho), convoca-se o tempo e a rasura, dois dos lados mais presentes na obra desta artista portuguesa (Lisboa, 1960). A opacidade da matéria torna-se de certa forma transparente quando o que se mostra é que de prevê ocultar; como no livro, a obra de arte assim exposta revela camadas múltiplas quase subterrâneas que, ainda que não se tornem legíveis, tornam-se presentes.

Este é, ainda, o momento ideal para perceber estas camadas de forma e conceito, não só nos trabalhos que compõem esta exposição mas também em duas obras que integram mostras colectivas. Na Casa da Cerca, em Almada, a exposição Musas Inspiradoras (com curadoria de Emília Pereira) integra a instalação Amável (1996-2016) (35 livros, cordel ensebado, elásticos, clips). Nela, os livros entrelaçam-se em si próprios para ocuparem o privilegiado espaço de leitura – nesse ‘leito’ de pedra os livros, referências múltiplas que povoam o léxico de Vidigal, desde Lispector a a Emily Dickinson, passando por William Bourroughs, Marguerite Duras, mas também William Hanna e Joseph Barbera, fecham-se sobre si próprios, encerram as palavras e os sentidos que deixaram marca (o tempo) e inspiraram o acto criativo, a forma (matéria).

O lastro de uma vivência passada, memória que reverbera no presente, não poderia encontrar melhor expressão do que na obra Penélope que também pode por ora ser vista na colectiva As Casas na Colecção Moderna (curadoria de Isabel Carlos e Patrícia Rosa), exposição que estará patente até 31 de Outubro de 2016. Trata-se de uma cama coberta com colcha de cartas, reminiscentes da vida familiar da artista.

Vivências entrelaçadas, estas, feitas de quotidiano e de ecos de intimidade e de interioridade, para ver em diferentes momentos.

 

MO

The Humanities Tomorrow or, the Future of the Humanities 

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Ana Hatherly, As Ruas de Lisboa, 1977

 

I think we’ve all had enough, over the recent years, of talking about, brooding about, complaining about the critical situation and the ailment of the Humanities today! Indeed we all, teachers, students, researchers,  have been suffering from it, lived through it, some have succumbed and therefore quitted the profession or even worse, given up the dream to have one, while others have kept on struggling with whatever left stamina and resilient spirit we had deepest in ourselves.

However, I think it’s time to put an end to this inhibiting and self-destructive cycle, and start talking about, or at least envisaging, the “Humanities tomorrow”, which is to say, a new cycle, towards the future of the Humanities! This involves getting out of the grey cloud, the “cul de sac” where it seems we have been irremediably trapped, for too long the hostages of a rhetoric of self-depreciation, low self-esteem and a sense of lack of purpose and social usefulness, ie, credibility. Asserting the need to look beyond the crisis, rather than through the crisis which, like a giant medusa has been asphyxiating our creativity, our self-reliance and our collective sense of belonging, leaving us numb and passive, and thus an easy prey of a defeatist rhetoric, is the urgent means to our survival.

And, notwithstanding, the Humanities are empowering, precisely because they live in a permanent crisis, but that knowledge, that awareness, cannot, should not prevent us from looking ahead and reclaiming our say in society, in culture, in politics, as citizens.

Recently, for the purpose of my academic work, I was rereading a text by a reputed scholar and literary critic famous in the 1980s (which sounds almost like another age, but which truly marked the beginning of much radical critical scholarship and a major turning point in the fields and disciplines that constitute the ‘almost canonical’ or at least largely accepted territory of the Humanities today, such as, cultural studies, race studies, ethnic studies, gender studies, ecocriticism, postcolonial studies, performance studies), without which academic work today is truly unthinkable and inhabitable. And yet, these fields and disciplined were launched at the out start of the 1980s, through much polemics, struggling and a lot of personal devotion and collective commitment.

Jonathan Culler, the critic I was referring to above, defended this view in a text entitled “The Humanities tomorrow”, a chapter in a book tellingly named Framing the Sign. Criticism and its institutions (1988). Here he claims:

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“Talk of the future tempts speakers to produce apocalyptic visions, crisis narratives, in which their fears or dissatisfactions about aspects of present practice can be imaginatively dramatized as tales of disaster, but it nevertheless has its uses. It compels us to imagine the consequences of our actions and in particular to postulate how our thinking, teaching and writing might work itself out in institutions” (p. 41) (…)

“Questions about the future of the Humanities are increasingly questions about how the concerns and activities of those who teach and write about these materials will function in institutional contexts and what effect they may have” (p.41).

Hence, as Culler suggests, a reflection on the future of the Humanities, or the Humanities tomorrow, that is, our vision projected beyond the tangible constrains and the stifling inertia that a continuous discourse on the “crisis” necessarily produces, inhibiting or at worse censoring any kind of possible future or a scenery “out of the crisis”, makes one positively anticipate how much the Humanities have adjusted already, how resilient they are, through the kind of response to the crisis itself, embodied in the creation of new or expanded territories of scholarship and cultural practice (as some named above), in the face of the challenges of the world today. Moreover, as Jonathan Culler reminds us, the future of the Humanities is largely signified by this concrete engagement with a fast changing reality, through a practice that evidences “how the university structures are affecting and are affected by intellectual activity” (p.42).

In sum, one could say (and truly hope for!) that the crisis in the Humanities can only bring about the empowerment of the Humanities as a field of knowledge, research and communal practice, ideally restored to a central role within society, which does not mean adjusted to their former role in the past, but critically and prospectively envisaged as agents and coadjutants of social transformation.

Ana Gabriela Macedo, CEHUM/UMinho, Abril 2015

Arte e Feminismo em Portugal no Contexto Pós-Revolução

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Ana Vieira, Santa paz doméstica. Domesticada?, 1977

 

Arte e Feminismo em Portugal no Contexto pós-Revolução, de Márcia Oliveira

Húmus/ CEHUM: Braga, 2015

O livro Arte e Feminismo em Portugal no Contexto pós-Revolução de autoria da investigadora Márcia Oliveira, que presentemente integra a colecção Poliedro dedicada à edição de teses de Doutoramento realizadas no âmbito do Centro de Estudos Humanísticos da Universidade do Minho, inaugura de facto, nas edições do CEHUM, uma área pioneira dos Estudos Comparatistas dedicada ao campo das Interartes, na interface com os Estudos Feministas. Trata-se de um trabalho de investigação rigoroso que foca uma época de profundas mudanças estruturais na sociedade portuguesa, o pós-25 de Abril, mudanças essas de cariz social e político, as quais necessariamente se traduziram em rupturas estéticas, renovados olhares e questionamentos múltiplos sobre o fenómeno artístico e a expressão deste na fervilhante sociedade portuguesa do último quartel do século XX. Este é um trabalho que se constrói numa base dialogizante – desde  logo com a História e a História da Arte, mas também com os cânones estéticos dominantes e alternativos, a(s) teoria(s) e a prática, construindo solidamente o seu argumento em torno de uma indagação dos modos de ver o mundo “outramente” e da criação estética enquanto “objecto relacional”, por um lado com essa profunda transformação em curso de paradigmas (sociais, políticos, estéticos, afectivos, …) e, por outro, privilegiando no seu estudo o agenciamento do sujeito da criação, e, como tal, o questionamento dos padrões de género e de identidade. Deste modo, o Feminismo surge neste trabalho como um movimento historicamente ancorado na época sob análise, construindo-se como uma epistemologia crítica e uma metodologia conceptual que informa os “modos de ver” e de actuar sobre o mundo. A criação artística no feminino constitui-se assim como o corpus axial desta tese, agora livro, definindo percursos, traçando trajectórias e questionando sempre. E é ao fazer o relato crítico e a análise hermenêutica desse “corpo transgressivo” que inaugurou uma profunda ruptura na sociedade portuguesa, através da intervenção estética em grande parte multidisciplinar de um conjunto de artistas como Paula Rego, Ana Hatherly, Helena Almeida, Ana Vieira, Clara Menéres, Lourdes Castro, Salette Tavares, Emília Nadal, entre muitas outras, cujo efeito de desassombro ainda hoje palpavelmente sentimos, que este livro se faz como um objecto de estudo rigoroso no panorama da investigação em Portugal, sendo assim uma obra que urgia editar e dar a ler.

Ana Gabriela Macedo

Abril, 2016


			

Dos “Best of” e da (in)visibilidade das mulheres escritoras

Recentemente a BBC – Cultura (BBC Culture) lançou um inquérito a alguns críticos sediados fora do Reino Unido sobre os melhores romances britânicos. A ideia do inquérito era perceber o que é que o mundo reconhece como a melhor ficção britânica e, para tanto, foram questionados 82 críticos espalhados pelo mundo. A partir desse inquérito chegou-se a uma Lista dos 100 Melhores Romances Britânicos. Trata-se de uma lista estritamente dedicada a romances (e, portanto, não inclui livros de poesia, ou não ficção ou de contos) escritos por autoras ou autores britânicos (o que deixa de fora autores como James Joyce, por exemplo). Interessantemente, o primeiro lugar foi atribuído ao romance Middlemarch da escritora inglesa George Eliot e, ainda mais interessantemente, na lista dos 10 primeiros contam-se 6 livros escritos por mulheres (a já citada George Eliot, Virginia Woolf, com dois romances, Charlotte Brontë, Emily Brontë e Mary Shelley). Esta é a lista dos 10 primeiros, do 10º para o 1º:

  1. Vanity Fair (William Makepeace Thackeray, 1848)
  2. Frankenstein (Mary Shelley, 1818)
  3. David Copperfield (Charles Dickens, 1850)
  4. Wuthering Heights (Emily Brontë, 1847)
  5. Bleak House (Charles Dickens, 1853)
  6. Jane Eyre (Charlotte Brontë, 1847)
  7. Great Expectations (Charles Dickens, 1861)
  8. Mrs. Dalloway (Virginia Woolf, 1925)
  9. To the Lighthouse (Virginia Woolf, 1927)
  10. Middlemarch (George Eliot, 1874)

Vem isto a propósito de um outro artigo, da autoria de Hephzibah Anderson, em que a crítica da BBC Culture se pergunta se serão os melhores escritores britânicos do sexo feminino (“Are Britain’s best writers women?”). Anderson confronta este inquérito com outros, dirigidos a críticos ingleses, por oposição a estrangeiros, em que os resultados são visivelmente diferentes, especialmente, naquilo que ao equilíbrio de géneros diz respeito. Isso é tanto mais visível tendo em conta que a lista em questão demonstra uma percentagem elevada de citações de romances escritos por mulheres (cerca de 40% dos 100 livros mencionados). Por outro lado, na totalidade dos livros, são também duas mulheres, Virginia Woolf e Jane Austen, a par de Charles Dickens, que detêm o recorde de maior número de romances citados (com quatro romances cada um/a delas/es). Há várias explicações que são aduzidas pela autora deste artigo para tal fenómeno (e que têm a ver, por exemplo, com a notoriedade que os prémios literários trazem na divulgação/ tradução dos romances), mas dada a diversidade das citações, não se pode chegar a grandes conclusões sobre o facto de esta lista em particular ter uma tão grande e tão variada presença de livros escritos por mulheres.

O que parece ser certo é que, depois de todo o trabalho de ginocrítica (ver definição no Dicionário de Crítica Feminista) que foi feito durante todo o século XX, depois de uma variedade de mulheres ter ganho prémios literários, nomeadamente, o prémio Nobel, a questão da visibilidade ou invisibilidade das mulheres escritoras continua a ser colocada sempre que surgem estas listas. Contudo, como afirma Hephzibah Anderson, relembrando Woolf e Um quarto que seja seu no final do artigo, “o problema nunca foi as mulheres não produzirem obras poderosas, de grande significado, de originalidade elevada, peso intelectual e de ressonância emocional duradoura. O problema é que o campo literário permanece, ainda hoje, tão relutante em reconhecer as suas realizações.”

Fica apenas a questão que Virginia Woolf nos deixava num outro ensaio intitulado “Professions for Women” de saber se as mulheres ainda não conseguiram matar todos os fantasmas que as espreitam na hora da escrita. E que outros fantasmas surgirão para abater?

MEP

Sobre Cassandra

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Depois de A Terceira Casa à Esquerda, na Galeria Miguel Nabinho (2015), a Culturgest mostra-nos mais uma exposição de Ana Jotta que prova que há ainda muito por revelar na obra desta artista. Cassandra, que pode ser vista na Culturgest Porto até 19 de Março, tem como ponto de partida o livro produzido a propósito da exposição que esta mesma instituição apresentou em 2014 em Lisboa. Continue reading

Não há negros nomeados para os Óscares (mas isso é outra conversa) nem mulheres para o Grand Prix do Festival Internacional de BD de Angoulême (França)…

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A polémica começou há algumas semanas atrás. Nem um único nome feminino constava da lista dos criadores de banda desenhada candidatos ao Grand Prix do Festival Internacional de BD de Angoulême.

“Erro simbólico” afirma o diretor do Festival, Franck Bondoux, ao jornal Le Monde, ao partir do centro de um mundo que se afirma ele próprio marginalizado no universo simbólico e no campo concreto da cultura. Seja como for, a ausência de mulheres nomeadas espoletou uma série de protestos e outras reações, como de resto tem sido habitual no âmbito do sempre controverso festival, acusado de entropia, de “conformismo contra-cultural” e de conivência com os editores.

Na realidade, explica ainda o Diretor do Festival à imprensa, houve uma confusão entre o Grand Prix e a Seleção Oficial do Festival: o Grand Prix diz respeito à obra de um.a autor.a que tenha produção na década anterior, enquanto que a Seleção Oficial tem por vocação divulgar obras publicadas no ano que antecede o Festival. Desta última lista constava uma dezena de mulheres. Da lista dos elegíveis para o Grand Prix, 30 homens e nenhuma mulher. Porque as autoras eram minoritárias no universo da BD até há bem pouco tempo, lembra, não sem um toque de condescendência, o diretor do Festival de Angoulême.

Mas o “erro” já foi emendado, depois de muito.a.s autore.a.s terem declarado que não iriam votar para o Grand Prix e de outros tantos, nomeados, terem desistido dele.

Em jeito de manifesto, o Coletivo das criadoras de banda desenhada contra o sexismo (http://bdegalite.org/), formado por 100 mulheres e geminado com um coletivo semelhante de criadoras espanholas (http://asociacionautoras.blogspot.com.es/p/sobre-la-asociacion.html), lembra que, em 43 anos, apenas uma autora foi premiada, Florence Cestac (http://www.cestac.com/), sendo que nem Claire Bétecher teve essa honra (http://www.clairebretecher.com/)…

A carta do coletivo que, como o resto do site, está traduzida para inglês, espanhol e italiano (http://bdegalite.org/english/), é esclarecedora: “Já que a ‘banda desenhada masculina’ nunca foi atestada nem delimitada, é aviltante para as mulheres autoras serem particularizadas como criadoras de uma ‘banda desenhada feminina’” em que não se reconhecem, por dominarem a arte em que se expressam “sem terem que ser [forçosamente] remetidas para o seu sexo”.

 

MMS